Gênero, homossexualidade e saber médico na Bahia do século XIX

Trecho
Tratando da história da homossexualidade no Brasil, James N. Green e Ronald Polito fizeram um diagnóstico pouco otimista: antes de 1870, as fontes produzidas sobre a homossexualidade são extremamente raras. Registros inexatos, esquivos, séries pouco claras ou de localização difícil, este seria o panorama para o historiador. (2004, p.p. 17) Décadas antes, este também foi o diagnóstico de João Silvério Trevisan (2011, p.p. 169-173): com o fim da Inquisição, que punia os sodomitas, e a falta de legislação criminal direta similar no Brasil império, tornou-se consideravelmente mais complicado obter fontes para tratar desta temática. Provavelmente as fontes mais importantes eram as de natureza médica, e o marco, para ambos, foi representado por uma obra intitulada Da Prostituição em Geral, e em Particular em Relação à Cidade do Rio de Janeiro: Prophylaxia da Syphilis, da autoria de Francisco Ferraz Macedo, escrita em 1872 na qual em um de seus capítulos, o autor dissertou sobre a prostituição masculina sob a rubrica da sodomia. A partir daí, a produção sobre o tema, na forma de teses de fim de curso da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, periódicos científicos, livros de medicina legal e processos-crime começou a se multiplicar. O ponto de viragem para uma espécie de ampliação discursiva veio com a obra de Pires de Almeida O homossexualismo – a libertinagem no Rio de Janeiro, datada de 1906 (GREEN e POLITO, 2004, p.p. 29-30). Em certa medida, esta obra espelharia o mesmo processo que se deu na Europa em 1870, quando surgiu com Westphal um termo para designar aqueles homens tinha algum tipo de desejo sexual ou afetivo pelo mesmo sexo. Lembra Foucault que foi a partir daí que se poderia falar de um homossexualismo enquanto patologia específica, dotada de profilaxias, causas e uma nova espécie de corpo doente – o homossexual, com seu passado, caráter, forma de vida, meio. Com este marco, emergiu todo um conjunto de seres que serão objetos para a clínica e medicina legal nas décadas seguintes (GREEN & POLITO, 2004, p.p. 77-93). Contudo, mesmo antes dos anos 1890 do século XIX foi possível encontrar um conjunto de referências ao erotismo entre pessoas do mesmo sexo, sobretudo entre homens. ()

Publicado em: Anais eletrônicos do VII Encontro Estadual de História: Diálogos da História, 30 de setembro a 03 de outubro de 2014
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A homossexualidade no século XIX: Historiografia, fontes, possibilidades e problemas

Resumo
Na produção historiográfica nacional sobre a homossexualidade, os estudos que se propõe a problematizar fontes datadas do século XIX ainda são minoritários quando comparados com trabalhos que analisam o período colonial ou o século XX. Ainda assim, grande par te dos autores reconhecem a impor tância dos debates médicos e jurídicos sobre a homossexualidade, que embora tenham tido maior penetração a par tir das décadas de 1910 e 1920, foram elaborados ainda no contexto final dos oitocentos. Um dos motivos apontados para esta ausência é o exíguo número de fontes que podem ser acessadas pelo historiador. Neste ar tigo, pretendo realizar um balanço das principais contribuições historiográficas para o estudo do tema, bem como apontar as possibilidades e problemas encontrados pelo historiador quando trabalha com fon-tes datadas do período, visando mostrar que, apesar da pouca quantidade, é possível, com os devidos cuidados, analisar a produção discursiva sobre a homossexualidade no século XIX, sobretudo tomando como referências fontes médicas.

Publicado em: Anais eletrônicos do VII Encontro Estadual de História: Diálogos da História, 30 de setembro a 03 de outubro de 2014
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A Captura do Prazer: Homossexualidade Masculina e Saber Médico na Bahia do Século XIX (1850-1900)

Resumo
O objetivo deste trabalho é examinar a construção de um discurso sobre a homossexualidade masculina no século XIX, a partir centralmente das teses de final de curso dos estudantes da Faculdade de Medicina da Bahia. De uma denúncia moral, durante os anos 1850 e 1860, a homossexualidade lentamente transformou-se numa categoria analítica médica que ajudava a criar e/ou nomear certos sujeitos, indignos de integrar plenamente o corpo da nação brasileira. Assim, em temas tão diversos como a higiene das famílias, do casamento, dos colégios, aspectos biológicos do criminoso, degeneração, libertinagem, entre outros., é possível observar o entrelaçamento cada vez mais firme entre prática sexual, padrões de masculinidade e inferioridade biológica como marcadores da (a)normalidade de certos indivíduos. Por fim, no final do século, emerge uma patologia nova para nomear e intervir em velhos sujeitos, empreitada necessária para manter a ordem na sociedade politicamente convulsionada no final do século XIX.

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